Inspiração de Jesus e prof de Mourinho, morreu o professor ...

Foi professor universitário, ex-deputado da Assembleia da República e autor de várias obras sobre desporto, sendo considerado o “pai” da motricidade humana. Manuel Sérgio morreu, esta quarta-feira, aos 91 anos — a notícia foi avançada pelo MaisFutebol e confirmada pelo Observador.

Professor de José Mourinho e inspiração de Jorge Jesus e José Maria Pedroto, Manuel Sérgio nasceu a 20 de abril de 1933 na Ajuda, em Lisboa, e dedicou a sua vida ao pensamento e ensino, sendo considerado um dos grandes pensadores do desporto após o 25 de Abril de 1974. Licenciou-se em Filosofia pela Universidade Clássica de Lisboa. Foi professor catedrático convidado da Faculdade de Motricidade Humana da Universidade Técnica de Lisboa, professor catedrático da Universidade Fernando Pessoa e do Instituto Superior da Maia. A sua relação com o desporto adensou-se em 1968, quando entrou no Centro de Documentação e Informação do Fundo de Fomento do Desporto.

Exerceu no Instituto Superior de Educação Física e na Direção-Geral dos Desportos, antes do 25 de Abril, que veio trazer uma abertura do país pelo desporto que ajudou a moldar e a pensar a partir da Faculdade de Motricidade Humana e outros fóruns, a par de nomes como o antigo presidente do Comité Olímpico de Portugal (COP), José Manuel Constantino, que morreu no ano passado. “Vinham perguntar-me, no estrangeiro, porque é que o país estava metido naquela guerra… os métodos de treino mais recentes não chegavam a Portugal. Não é por acaso que o nosso futebol progrediu tanto a partir de determinada altura”, afirmou, numa entrevista à Lusa em 2024.

Foi com essa liberdade que o filósofo e educador pôde assinar várias obras que o colocaram como um dos principais pensadores em Portugal. “Para uma nova dimensão do desporto” e “Para uma renovação do desporto nacional” foram publicados em 1974, seguindo-se “Desporto em Democracia”, em 1976, e uma série de obras filosóficas sobre motricidade humana e desporto, culminando em “Para uma epistemologia da motricidade humana”, em 1987.

Há cinco anos, a Universidade Católica Portuguesa criou a Cátedra Manuel Sérgio – Desporto, Ética e Transcendência por sugestão do atual cardeal Tolentino Mendonça, tendo o professor dedicado grande parte do seu trabalho em filosofia ao estudo desta área. “Porquê desporto e transcendência? Eu criei o paradigma, a partir da minha tese de doutoramento, que norteia a FMH, num trabalho intitulado ‘Para uma epistemologia da motricidade humana’. Como é que eu hoje defino a motricidade humana? Movimento intencional e solidário da transcendência”, resumiu Manuel Sérgio na entrevista à Lusa.

Para este académico, “o que se estuda no desporto é o homem a superar-se”, e essa conceção do ser humano como sendo “sempre uma tarefa por cumprir” norteou-lhe o trabalho científico ao longo de décadas, com mais de meia centena de títulos dedicados à articulação desta área com a filosofia e a política.

De resto, numa das últimas entrevistas em vida, o homem que visitava recorrentemente o Brasil para aulas e palestras não deixou de criticar o “Deus-lucro” que governa o desporto atual, na sua opinião, e que “obriga o jogador a dar mais do que a saúde permite”. “O dinheiro não deve valer mais do que uma lágrima humana. Defendo um desporto de alta competição em que haja respeito pelo jogador, e por vezes este tem de subordinar-se, aos imperativos dos media ou dos homens da televisão… tem de ser respeitado em todas as circunstâncias, como qualquer ser humano”, rematou.

Ocupou cargos e funções infindáveis, do futebol ao andebol, basquetebol, deu aulas de história e português, chefiou vários departamentos públicos, esteve na génese da ideia política do Provedor do Animal, deixando o conceito de motricidade humana como principal legado, tanto no campo académico como na prática do treino e pedagogia desportiva. Segundo o Diário de Notícias, por altura do PREC, integrou  a célula de escritores do PCP, ao lado de José Saramago, por exemplo. A sua vida política incluiu também um mandato como deputado na Assembleia da República. Foi um dos fundadores, em 1990, do Partido da Solidariedade Nacional, então conhecido como “o partido dos reformados”, e esteve no Parlamento de 1991 a 1995, ao conquistar 1,68% dos votos pelo círculo de Lisboa.

Em 5 de dezembro de 2017, recebeu do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, a Comenda da Ordem da Instrução Pública. Dez anos antes, tinha sido galardoado pelo Governo com o Colar de Honra ao Mérito Desportivo. Já o governo brasileiro, em 1990, atribuiu-lhe a Medalha de Mérito Desportivo.

Em março de 2017, foi alvo de uma homenagem que se realizou na Sala do Senado da Assembleia da República. O então treinador do Sporting, Jorge Jesus, revelou que Manuel Sérgio tinha feito parte da sua equipa técnica no Benfica durante um ano. A decisão aconteceu porque Jesus sentia que “era um treinador de ataque, mas precisava de desenvolver outras áreas”.

“Manuel Sérgio fez-me pensar e fez-me muito melhor treinador”, disse então JJ. O treinador dos leões recordou igualmente que não foi “aluno académico” de Manuel Sérgio, mas teve o “privilégio” de ser “aluno dele particularmente”. O professor retribuiu dizendo que Jesus fora para ele “um mestre em muitos aspetos”.

Em abril de 2024, dizia à Lusa que professores universitários, sob orientação de José Eduardo Franco, vinham a trabalhar a sua “Obra Seleta”, com quatro volumes de 400 páginas cada. “Estão a resumir a minha obra. Dará umas 1.600 páginas, e em letra muito miudinha…”, contou então, aquando do lançamento do segundo volume.

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Ao jornal A Bola, José Mourinho considerou Manuel Sérgio, um homem que foi além de professor “um amigo”, “uma fonte inesgotável de motivação e de carinho”. “Não tenho palavras. A sua obra fala por si, o seu prestígio internacional. Mas para mim foi o professor mais marcante e no pós-universidade foi meu amigo, foi uma fonte inesgotável de motivação e de carinho, uma presença semanal na alegria da vitória e na análise da derrota. Já tenho saudades, meu prof“, disse ao desportivo.

O treinador português deixou ainda uma mensagem de despedida ao seu “grande amigo” numa publicação na sua conta oficial no Instagram. “Prof Manuel Sérgio, o filósofo, o Homem, o amigo… o meu grande amigo… amanhã depois do jogo já não terei a sua palavra feliz ou o seu comentário motivador… vou ter muitas saudades suas, meu Prof. Descanse em paz”, escreveu.

O Belenenses lamentou, igualmente, a morte do seu sócio número 232, lembrando que o “reconhecido professor universitário, pensador e filósofo foi dirigente” do clube a que se filiou em 1955.  “Neste momento difícil e em nome de toda a Família Belenense, os Órgãos Sociais do Clube endereçam a todos os seus familiares e amigos as mais sentidas condolências”, lê-se no comunicado. Foi presidente da mesa da Assembleia Geral dos azuis do Restelo e  também vice-presidente da direção, entre 1975 e 1977.

A Federação Portuguesa de Futebol, através do seu presidente cessante, Fernando Gomes, também deixou a sua homenagem: “Foi com profunda tristeza que tomei conhecimento da morte do Prof. Manuel Sérgio, um dos maiores pensadores do desporto em Portugal. A sua partida deixa um vazio imenso, não apenas no âmbito desportivo, mas também no campo da filosofia e da pedagogia”.

Na rede social X, o FC Porto deixou uma mensagem de condolências pela morte do professor que “pensou, como poucos, o futebol”. “O Futebol Clube do Porto envia sentidas condolências à família e amigos do Prof. Manuel Sérgio, homem que dedicou uma vida ao ensino do Desporto, inspirou treinadores e pensou, como poucos, o futebol”, escreveram os dragões.

O Futebol Clube do Porto envia sentidas condolências à família e amigos do Prof. Manuel Sérgio, homem que dedicou uma vida ao ensino do Desporto, inspirou treinadores e pensou, como poucos, o futebol.

— FC Porto (@FCPorto) February 19, 2025

Nas redes sociais, o Instituto Português do Desporto e Juventude descreveu Manuel Sérgio como “um pioneiro e uma inspiração para muitos”, defendendo que “o seu legado no campo do desporto é imensurável”.  “O Professor Sérgio não só contribuiu significativamente para o desenvolvimento teórico e prático do desporto em Portugal, como também teve uma ligação estreita com o Instituto Português do Desporto e Juventude, onde o seu conhecimento deixou uma marca indelével”, lê-se na publicação.

“Neste momento de luto, expressamos as nossas mais sinceras condolências à família e amigos do Professor Manuel Sérgio. Que o seu espírito inovador e sua paixão pelo desporto continuem a inspirar futuras gerações”, escreve o instituto dirigido por Ricardo Gonçalves.

A Confederação do Desporto de Portugal, em comunicado, também disse que foi “com enorme consternação e tristeza” que teve conhecimento da morte de um “enorme pensador do fenómeno desportivo, filósofo e ex-deputado à Assembleia da República”. Manuel Sérgio “foi um grande inspirador para várias gerações de dirigentes, treinadores, atletas e restantes agentes desportivos, pela sua capacidade de motivar, influenciar e valorizar a importância social e cívica do Desporto”, diz ainda a CDP, que deixa condolências à família e amigos.

Já numa nota publicada na página da Presidência, Marcelo manifestou “profundo pesar” pela morte do professor universitário e antigo deputado, lembrando que dedicou “grande parte da sua vida ao ensino e ao pensamento na área do desporto”. “Manuel Sérgio foi deputado à Assembleia da República, mas é na área do desporto que nos deixa a sua marca, não só pelas múltiplas obras e artigos escritos sobre o tema, mas também como um dos principais impulsionadores da inclusão do desporto como área de estudo e investigação no Ensino Superior“, destacou o chefe de Estado, recordou a entregada da comenda em 2017. O Presidente da República apresentou também à família e amigos de Manuel Sérgio “as suas mais sentidas condolências”.